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Há tempos, brincar de boneca não era uma pauta tão discutida na internet como tem sido nas últimas semanas. Levar o brinquedo para passear, ao médico e até simular um parto são atividades da rotina de colecionadoras e donas dos bebês reborn, bonecas hiper-realistas que possuem aparência, peso e tamanho parecidos com os de um bebê recém-nascido de verdade.
A brincadeira, que é muito comum durante a infância, acabou se tornando um hobby da vida adulta. Segundo a psicóloga e professora Desirée Cassado, de Sorocaba (SP), brincar ou colecionar bonecas, especialmente se forem feitas com o realismo das reborn, pode servir como um refúgio para pessoas que possuem algum tipo de trauma, além de promover o senso de cuidado e carinho para as crianças que ganham estes brinquedos.
No entanto, a profissional salienta que é necessário se atentar à realidade e não deixar que a brincadeira se transforme em um prejuízo para a autonomia e os vínculos sociais de uma pessoa, que pode acabar se apegando a objetos que representam a possibilidade de cuidado.
“A primeira coisa que me ocorre é: por que a brincadeira feminina incomoda tanto? Quando uma mulher adulta se dedica ao cuidado de uma boneca, a reação coletiva parece ser de escárnio ou suspeita. Quando um homem adulto se dedica a videogames ou a se fantasiar de Jedi [de ‘Star Wars’], colecionar carrinhos de controle remoto, tênis de marca ou sabres de luz, ninguém se pergunta se ele precisa de ajuda. Mas há muitos significados possíveis para comportamentos com as bonecas reborn — e nem todos exigem intervenção clínica”, explicou Desirée.
Segundo a especialista, algumas pessoas podem encontrar em suas bonecas um espaço simbólico de reparação ou de socialização. Isso quer dizer que conseguem arranjar uma forma de ressignificar sua história, seja com afetos que lhes foram negados ou lidar com o luto, perdas gestacionais, infertilidade ou vivências de privação material.
Desirée ainda conta que a aquisição de bonecas e de bebês reborn pode ser uma forma de evitar a solidão e a carência. De acordo com ela, o que alguns internautas podem chamar de “comportamento exagerado” às vezes é só uma forma original de lidar com algo difícil.
A profissional também destaca que há outras formas de responder à solidão e ao desejo de cuidado, como adotar um pet, investir em relações nutritivas ou buscar apoio psicológico. Mas nenhuma destas opções é mais certa ou superior que a outra, pois a prioridade é que a escolha seja consciente, respeitosa e não cause prejuízos.
O mesmo serve para o desenvolvimento infantil. Desirée explica que, quando as crianças simulam gestos de afeto com bonecas, estão ensaiando vínculos, experimentando empatia e expressando, às vezes pela primeira vez, o que é cuidar e ser cuidado, e isso deve ser estimulado para meninas e meninos.
Arte reborn
Gabriela Salome Rodrigues, de 28 anos, é uma aresã de bebês reborn e empresária de Sorocaba. Em 2012, ela viu uma boneca hiper-realista pela primeira vez na televisão, e conta que se apaixonou pela arte.
Com o passar do tempo, o negócio de Gabriela se consolidou na região e chegou a diversas partes do país. Atualmente, a jovem possui lojas físicas em shoppings de Sorocaba e na capital paulista.
Ao g1, Gabriela também contou como é o processo de fabricação das bonecas, que pode levar de uma a duas semanas, dependendo do modelo, podendo ser de ponta entrega ou personalizado para cada cliente. A artesã vende desde bonecas mais simples, que custam a partir de R$ 790, a bonecas mais caras, que podem ultrapassar os R$ 3 mil.
O valor elevado das bonecas reborn, segundo Gabriela, se dá a partir das horas dedicadas a este trabalho, que precisa ser feito à mão e exige muita técnica para ficar pronto. A arte precisa ser realista na pintura, no cabelo e no acabamento.
“As reborn são feitas a partir de kits de vinil ou silicone, que simulam as partes do corpo do bebê. A partir desse material base, fazemos um trabalho detalhado de pintura em camadas, para criar o tom de pele, veinhas, manchinhas, dobrinhas e até marquinhas de vacina, tudo para que fiquem o mais realistas possível”, explicou.
Depois que o corpo fica pronto, a cabeça da boneca recebe os fios de cabelo, que são implantados com uma agulha delicada e específica para este tipo de artesanato.
Em seguida, o interior da bebê reborn é recheado com enchimentos estratégicos, para que eles fique maleável e com o peso semelhante ao de um bebê real. O toque final é feito com a personalização de roupinhas e acessórios.
Conforme a empresária, com a popularização das bonecas na internet nos últimos meses, a procura por modelos realistas aumentou bastante, pois as clientes já a procuram dizendo que querem uma boneca que “pareça um bebezinho mesmo”.
“Enviamos para todo o Brasil, mas, como temos as lojas físicas, a maior parte das entregas acontece por aqui mesmo. Às vezes, isso [comprar reborn] causa estranheza em quem vê de fora, mas, para quem vive essa experiência, pode ser algo muito terapêutico e significativo. Já vi casos de idosos, por exemplo, que encontram companhia e alegria com essas bonecas. Cada pessoa tem suas formas de expressar afeto e isso merece empatia”, destacou a profissional.
‘Mais que um brinquedo’
Uma das clientes de Gabriela é Cristiane dos Santos, moradora de Sorocaba, de 32 anos. Ela comprou recentemente uma bebê reborn para a sua filha, Luiza Tonon Armagni, de sete anos, que sempre sonhou em ter uma boneca realista.
Ao g1, Cristiane contou como a filha ficou contente ao ganhar a boneca de aniversário, e que, antes de comprar a bebê reborn, pesquisou bastante sobre o assunto. A boneca de Luiza foi feita por encomenda, com os olhos azuis, pesada e com um corpo maleável.
Para Cristiane, a filha está na idade certa para brincar com bonecas, principalmente diante da era digital, em que os pequenos se encantam e se tornam dependentes da tecnologia com facilidade, portanto, sempre estimulou a menina a reproduzir o amor e carinho que recebe com os brinquedos.
“A bebê reborn foi mais que um brinquedo para a gente. Uma coisa simples que você compra em uma loja foi a construção de um sonho na cabecinha de uma criança e de uma mãe também, que comprou esse sonho junto. A bonequinha dela tem todas as manchinhas de um recém-nascido, tem marquinha de vacina, tem unhas perfeitas. Os cabelinhos parecem cabelos de um neném de verdade. Então, assim, ela é uma boneca mais perfeita que eu já vi na vida. Minha filha ficou encantada”, finaliza Cristiane.
Bebê em sacola?
Outra cliente de Gabriela, que mora em São Paulo (SP) mas fez questão de buscar uma de seus bebês reborn na loja do shopping de Sorocaba, é Bianca Camargo, de 24 anos. Elas tem dois bonecos chamados Henrique e Miguel, e contou ao g1 que deve ter gastado pelo menos R$ 5 mil com eles.
Questionada sobre os costumes inusitados de donos adultos de bebês reborn, que brincam com as bonecas e acabam viralizando nas redes sociais, a jovem contou que apenas coleciona os brinquedos, hábito que tem desde a infância. Ela não brinca com os bebês, mas já passou por uma experiência inusitada com um deles, quando chamaram sua atenção por colocá-lo dentro de uma sacola.
“Eu não tenho costumes inusitados, tenho as bebês mesmo como um sonho realizado e uma coleção. Não sou de sair com eles, mas já levei para o meu trabalho, pois todos estavam muito curiosos em conhecê-los, e fizeram bastante sucesso entre os funcionários e clientes.”